segunda-feira, 9 de junho de 2008

O Pálido Ponto Azul


A espaçonave estava bem longe de casa. Eu pensei que seria uma boa idéia, logo depois de Saturno, fazer ela dar uma última olhada em direção de casa. Desde Saturno, a Terra aparecia muito pequena para a Voyager apanhar qualquer detalhe. Nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um "pixel" solitário. Dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria: planetas vizinhos, estrelas distantes.
Mas justamente por causa dessa imprecisão de nosso mundo assim revelado, valeria a pena ter tal fotografia. Já havia sido bem entendido por cientistas e filósofos da Antigüidade Clássica que a Terra era um mero ponto em um vasto cosmos circundante. Mas ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui está a nossa primeira chance, e talvez a nossa última nas próximas décadas.

Então, aqui está - um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas e um fundo pontilhado de estrelas distantes. Por causa do reflexo da luz do Sol na espaçonave, a Terra parece estar apoiada em um raio de Sol. Como se houvesse alguma importância especial para esse pequeno mundo. Mas é apenas um acidente de geometria e óptica. Não há sinal algum de humanos nessa foto. Nem nossas modificações da superfície da Terra, nem nossas máquinas, nem nós mesmos.
Desse ponto de vista, nossa obsessão com nacionalismo não aparece em evidência. Nós somos muito pequenos. Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes, uma fina película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal.
Considere novamente esse ponto. É aqui. É nosso lar. Somos nós. Nele, todos que você ama, todos que você conhece, todos de quem você já ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram suas vidas. A totalidade da alegria e do sofrimento, milhares de religiões e ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada jovem casal apaixonado, cada mãe e pai, cada criança esperançosa, inventor e explorador, cada educador, cada político corrupto, cada ”líder supremo”, cada ‘’superstar”, cada santo e pecador na história de nossa espécie viveu ali, numa partícula de poeira, suspenso em um raio de Sol. A Terra é um palco muito pequeno, numa imensa arena cósmica.
Pense nas infinitas crueldades infligidas pelos habitantes de um canto desse pixel nos quase imperceptíveis habitante de algum outro canto. Como são freqüentes seus desentendimentos, como eles estão sedentos por matar uns aos outros, como fervilham seus ódios. Pense nos rios de sangue derramados por todos esses generais e imperadores para que em glória e triunfo, eles pudessem ser os chefes momentâneos de uma fração de um ponto.
Nossas atitudes, nossa imaginária auto-importância, a ilusão de que nós temos alguma posição privilegiada no universo, são desafiadas por este ponto de luz pálida. Nosso planeta é um pontinho solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Em nossa obscuridade, em toda essa imensidão, não há nenhum indício de que a ajuda virá de algum outro lugar para salvarmos de nós mesmos.
Goste disso ou não, neste momento, a Terra é onde estamos estabelecidos. Tem sido dito que a astronomia é uma experiência de humildade e formação do caráter. Talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que essa imagem distante de nosso pequeno mundo. Ela enfatiza nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar o único lar que nós conhecemos: o pálido ponto azul.

-- Carl Sagan, Pálido Ponto Azul, 1994